Trade Dress

O trade dress e o posicionamento do STJ

Ao optar por questionar judicialmente eventual violação ao trade dress, o interessado deve, além de estar munido de elementos técnicos capazes de atestar a “suficiência distintiva” do seu produto ou bem, solicitar, de plano, uma perícia técnica para subsidiar ação, sobretudo visando apurar se há conflito com a propriedade industrial de outra titularidade.

O conceito de trade dress surgiu nos Estados Unidos. Já no Brasil, a doutrina o define como “conjunto-imagem” ou “roupagem externa” ou ainda “embalagem” do produto ou bem. Trata-se, portanto, da percepção visual externada por um determinado bem no mercado consumidor, de forma suficientemente peculiar e distintiva, e que, por isso, goza de proteção jurídica autônoma e independente dos preceitos da Propriedade Intelectual.

O trade dress não decorre de previsão legal expressa, pelo que a sua violação está ligada a construção doutrinária e jurisprudencial, e a sua conclusão decorrerá de exame do caso concreto.

Historicamente, a jurisprudência nacional em torno do tema se mostrava extremamente pulverizada, o que fazia com que a pretensão jurídica de tutela ao trade dress fosse, muitas vezes, equiparada a um jogo de sorte e azar.

Ainda é bastante comum deparar-se com decisões em que, por “conhecimento comum ou instinto natural”1, os julgadores dispensam exame técnico e presumem o risco de confusão decorrente da notoriedade da semelhança da apresentação dos bens em cotejo.

Entretanto, nos mais recentes acórdãos sobre o tema o Superior Tribunal de Justiça tem, sistematicamente, reafirmado a necessidade de perícia técnica a fim de apurar violações a trade dress.

Em setembro de 2017, a terceira turma firmou no REsp. 1.353.451/MG importante entendimento no sentido de que “a confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado”.

E, segundo decidido pela terceira turma, a dispensa de prova técnica apenas é permitida nas hipóteses específicas da Lei (CPC, art. 464, § 1º), não sendo possível ao magistrado consultar única e exclusivamente o seu íntimo, apegar-se a uma eventual notoriedade na semelhança visual, para concluir pela possibilidade de confusão.

Os efetivos contornos do instituto frente às arestas firmadas pela garantia constitucional da livre concorrência [e da vedação à concorrência desleal] contêm diversos critérios conjugados que devem ser contemplados para a aferição do cabimento da proteção jurídica.

Para além da simples demonstração da semelhança entre dois bens, impõe-se ao Judiciário que analise se “se está diante de algo novo e peculiar a ponto de despertar o Estado de sua inércia”, justamente por ser “imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado.”

Em dezembro de 2018, a quarta turma do STJ julgou o REsp. 1.778.910/SP, e sob a relatoria da min. Maria Isabel Gallotti, concluiu que “o conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos. Dados a ausência de tipificação legal e o fato de não ser passível de registro, a ocorrência de imitação e a conclusão pela concorrência desleal deve ser feita caso a caso. Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço”.

No acórdão, a ministra faz remissão às “sutilezas que podem separar a concorrência desleal da legítima prática competitiva”, e cita o acórdão da Terceira Turma da Corte proferido em caso paradigmático (REsp. 1.591.294/PR), em que o ministro Marco Aurélio Belizze ressalta que “(…) para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum”.

Como constou no REsp. 1.353.451/MG:

“por não ser sujeito a registro – ato atributivo do direito de exploração exclusiva – sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão”.

Vale dizer, a jurisprudência do STJ tem repetidamente entendido que, para o exame de violação ao trade dress, não basta a demonstração de similaridade notória e a presunção do risco de confusão do consumidor.

De fato, não se pode prescindir de elementos como a prova da suficiência peculiar e distintiva de determinado bem, sob pena de abuso de direito, caracterizado pela indevida ampliação de seu escopo.

Os recentes posicionamentos adotados pelo Superior Tribunal de Justiça têm demonstrado que a Corte, ciente do crucial papel uniformizador que desempenha, tem procurado garantir que o bem jurídico efetivamente tutelado esteja presente.

Portanto, ao optar por questionar judicialmente eventual violação ao trade dress, o interessado deve, além de estar munido de elementos técnicos capazes de atestar a “suficiência distintiva” do seu produto ou bem, solicitar, de plano, uma perícia técnica para subsidiar ação, sobretudo visando apurar se há conflito com a propriedade industrial de outra titularidade.

Referência:

https://www.migalhas.com.br/depeso/303795/o-trade-dress-e-o-posicionamento-do-stj

Branding

Quarta Turma decide que é preciso perícia para verificar imitação de trade dress

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que apenas a comparação de fotografias pelo julgador não é suficiente para verificar a imitação de trade dress capaz de configurar concorrência desleal, sendo necessária a realização de perícia técnica para apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade.

A controvérsia analisada pelo colegiado envolveu duas empresas do ramo alimentício. Uma delas ajuizou ação indenizatória cumulada com pedido de cessação de uso, alegando concorrência desleal causada pelo pote que a outra passou a adotar para vender geleias. Disse que o vasilhame era bastante similar ao seu, o que trazia prejuízo ao consumidor.

A empresa ré sustentou que o trade dress de seu produto não se confunde com aquele dos produtos comercializados pela autora da ação. Requereu, ainda em primeiro grau, a produção de prova pericial, o que foi indeferido.

Além de entender a perícia desnecessária, a sentença julgou procedente a ação e condenou a ré a se abster de utilizar o pote. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a sentença.

Cerceamento de defesa

A relatora do recurso no STJ, ministra Isabel Gallotti, entendeu que o indeferimento da perícia requerida caracterizou cerceamento de defesa. Para ela, a prova pericial era necessária, uma vez que o acórdão do TJSP confirmou decisão baseada apenas na observação de fotos das embalagens dos produtos alvo de questionamento.

“O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos”, disse, assinalando que a ausência de tipificação legal e a impossibilidade de registro exigem que eventuais situações de imitação e concorrência desleal sejam analisadas caso a caso.

“Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço”, afirmou.

A ministra citou diversos precedentes da Terceira Turma no sentido de que, para caracterizar concorrência desleal em embalagens assemelhadas, é fundamental a realização de perícia capaz de trazer ao juízo elementos técnicos imprescindíveis à formação de seu convencimento.

Processo anulado

Segundo Gallotti, a questão em análise é jurídica, pois o recurso não buscou o reexame de provas, mas um pronunciamento do STJ a respeito da necessidade ou não da prova pericial.

“Pede-se, isso sim, pronunciamento a respeito da admissibilidade do meio de prova de que se valeu a corte a quo, mera comparação visual de fotografias das embalagens. A errônea valoração da prova sindicável na via do recurso especial é aquela que ocorre quando há má aplicação de norma ou princípio no campo probatório, o que ocorre no caso”, explicou.

De acordo com a relatora, ao decidir com base em comparação feita a partir das fotos, o TJSP dispensou os subsídios que a perícia poderia trazer a respeito dos elementos probatórios que auxiliariam no julgamento.

Ao dar provimento ao recurso, a Quarta Turma anulou o processo desde a sentença e deferiu o pedido de produção de prova técnica, determinando o retorno dos autos à origem.

 

Referência:

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2019/2019-02-07_06-55_Quarta-Turma-decide-que-e-preciso-pericia-para-verificar-imitacao-de-trade-dress.aspx

Usuário Navegando

TJ-SP determina perícia complementar em processo envolvendo marcas de geleia

Por entender que a perícia não abordou todas as nuances do nicho mercadológico em que estão inseridos os produtos das litigantes, a 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a complementação da prova pericial em uma ação por concorrência desleal movida pela Kiviks Marknad Indústrias Alimentícia, dona da marca Queensberry, contra a Ritter Alimentos.

Na ação, a Queensberry acusou a Ritter de concorrência desleal por causa do pote utilizado em suas geleias. Segundo a Queensberry, o pote adotado pela Ritter seria bastante similar ao seu, o que poderia induzir o consumidor em erro.

Já a Ritter, representada pelo escritório LUC Advogados, sustentou que o trade dress de seu produto não se confunde com o da Queensberry. A ação havia sido julgada procedente em primeiro e segundo graus, mas a Ritter recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e conseguiu decisão favorável para realização da perícia.

Mas o relator, desembargador Azuma Nishi, considerou que a perícia de limitou a examinar e comparar os aspectos gráficos visuais dos potes das duas empresas. Para ele, a questão exige mais esclarecimentos, com expansão da análise para exame dos aspectos mercadológicos envolvidos na comercialização dos produtos.

“A despeito da conclusão da prova pericial produzida na instância ordinária, entendo que os elementos carreados aos autos não são suficientes para averiguar a violação ao trade dress, tampouco atendem à determinação exarada pela Corte Superior no sentido de a perícia debruçar-se sobre o grau de distintividade entre os produtos concorrentes, aspectos de mercado, técnicas de propaganda e marketing, o que impossibilita o encerramento da fase instrutória”, afirmou.

Assim, para dar cumprimento à ordem do STJ e em busca de mais detalhes para solucionar a questão, o desembargador determinou a realização da perícia complementar, “a fim de abordar todos os aspectos levantados pelo C. Superior Tribunal de Justiça para uma melhor compreensão da matéria”.

“Dada a incompletude da perícia realizada, considerando as impugnações das partes, mostra-se adequada a complementação do laudo, a fim de o trabalho pericial debruçar-se sobre todos os pontos determinados pela instância superior, fornecendo subsídios necessários para o correto desfecho da lide”, completou Nishi. A decisão foi por unanimidade.

Para Flávia Junqueira, advogada que representa a Ritter Alimentos, a decisão foi correta. “É imprescindível que, dentre outras providências, a perícia faça a análise aprofundada das características desse mercado, pois a questão não se resume a eventuais semelhanças visuais entre os potes de geleia das fabricantes”, explica.

A advogada ainda citou o chamado “código de mercado”, que faz com que produtos de um mesmo segmento tenham características similares, como formato, cor e desenhos das embalagens: “Elementos de uso comum e indistintos não são apropriáveis por nenhum fabricante, sendo seu uso disseminado na categoria na qual está inserido.”

Referência:

https://www.conjur.com.br/2022-fev-04/tj-sp-ordena-pericia-complementar-acao-envolvendo-marcas-geleia